IAMAMOTO. CAPITAL FETICHE - CAP. 3

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Iamamoto, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2010.

Capítulo III- A produção teórica brasileira sobre os fundamentos do trabalho do assistente social

1. Rumos da análise

Estabelecer interlocução crítica com literatura profissional brasileira no que se refere aos fundamentos do trabalho do assistente social, elaborada nas décadas de 80 e 90 e aos anos 2000, que alimentou renovação do Serviço Social no Brasil e se reclama no amplo campo da teoria social crítica.

Recorte privilegiado refere-se às particularidades atribuídas à profissão na divisão social e técnica do trabalho do assistente social na atualidade. Pretende-se atribuir visibilidade aos diferentes ângulos a partir dos quais os autores analisam a natureza dessa profissão e o significado social de seu exercício no processo de produção e reprodução das relações sociais: as teses apresentadas, as fontes teóricas que condicionam o percurso e os resultados de suas elaborações. Busca-se identificar os avanços já obtidos, no marco da renovação crítica do Serviço Social brasileiro, referentes ao trabalho do(a) assistente social e, simultaneamente, apontar silêncios e omissões no legado acumulado, que possam instigar e enriquecer a agenda da pesquisa nessa área no que concerne ao trabalho profissional.

Reconhece-se a hegemonia que as interpretações de caráter histórico-crítico foram assumindo progressivamente na liderança do debate acadêmico-profissional brasileiro, a partir da década de 80.

O ponto de partida do debate é a concepção de profissão elaborada por Iamamoto na década de 80, submetida a um balanço crítico ante as novas condições sócio-históricas no trânsito do século XX para o XXI. Hipótese: Essa análise da profissão na divisão social e técnica do trabalho foi largamente incorporada pela categoria profissional, tornando-se de domínio público, o mesmo não ocorrendo com os seus fundamentos referentes ao processo de produção e reprodução das relações sociais, o que justifica a necessidade de sua retomada e aprofundamento, com foco privilegiado no trabalho e sociabilidade na ordem do capital, como subsídio para se pensar o exercício da profissão na atualidade.

Novidade: abrir diálogo fraterno, no interior de um mesmo campo político-profissional, com o intuito de fortalecimento e aprimoramento de um mesmo projeto profissional coletivamente partilhado. A novidade está no fato de que os interlocutores são parceiros – e não opositores – inscritos em um universo teórico soldado pela teoria social crítica – ou em áreas fronteiriças que se aproximam no campo político -, ainda que abordados sob diversas inspirações teóricas que vão desde o hegelianismo, ao amplo campo da tradição marxista: Marx, Lukács e Gramsci.

Nas duas últimas décadas, a restrita mas fecunda literatura profissional no âmbito da renovação crítica do Serviço Social voltada aos fundamentos do profissão – em suas dimensões históricas, teórico-metodológicas e éticas – tratou, sob diferentes ângulos, da natureza particular da profissão na divisão social e técnica do trabalho e sua dimensão ética.

Hipótese: Essa literatura centrou-se predominantemente nas particularidades do Serviço Social, enquanto trabalho concreto, segundo focos distintos: as origens da profissão na expansão monopolista e o sincretismo (Netto, 1991b, 1992, 1996); a identidade e a alienação (Martinelli, 1989); as políticas sociais, as relações de força, poder e exploração (Faleiros, 1987a, 1987b, 1999a); a proteção e a assistência social ( Costa, S. G. 2000; Yasbek, 1993, 1998); a hegemonia e a organização da cultura (Simionato, 1995; Abreu, 2002). Entretanto, a análise do processamento do trabalho do assistente social não adquiriu centralidade e nem foi totalizado nas suas múltiplas determinações, estabelecendo-se uma frágil associação entre os fundamentos do Serviço Social e o trabalho profissional cotidiano.

Restritos investimentos no acervo das determinações atinentes à mercantilização dessa força de trabalho especializada, inscrita na organização do trabalho coletivo nas organizações empregadoras, dificultam a elucidação de seu significado social – enquanto trabalho concreto e abstrato – no processo de produção e reprodução das relações sociais, no cenário da sociedade brasileira contemporânea.

Parte-se do suposto de que a identificação da particularidade dessa atividade profissional na divisão social e técnica do trabalho social não se esgota na indicação do valor de uso dos serviços prestados, da qualidade do trabalho realizado. Ela também é portadora de trabalho humano indiferenciado, trabalho humano abstrato, analisado na óptica de sua quantidade, parte do trabalho social médio, que participa na produção e/ou distribuição da mais-valia socialmente produzida e na luta pela hegemonia entre forças sociais.

Transitar da análise da profissão para o seu efetivo exercício agrega um complexo de novas determinações e mediações essenciais para elucidar o significado social do trabalho do assistente social – considerado na sua unidade contraditória de trabalho concreto e abstrato – enquanto exercício profissional especializado que se realiza por meio do trabalho assalariado alienado. Esta condição sintetiza tensões entre o direcionamento que o assistente social pretende imprimir ao seu trabalho concreto – afirmando sua dimensão teleológica e criadora -, condizente com um projeto profissional coletivo e historicamente fundado; e os constrangimentos inerentes ao trabalho alienado que se repõem na forma assalariada do exercício profissional.

Em síntese: a análise do trabalho profissional supõe considerar as tensões entre projeto profissional e alienação do trabalho social no marco da luta da coletividade dos trabalhadores enquanto classe.

Um balanço crítico de Relações Sociais e Serviço Social no Brasil

Iamamoto reconhece o rigor analítico da exposição da teoria de Marx e a atualidade do eixo metodológico que trata a tensão necessária entre a realidade e as formas sociais de que se revestem os fenômenos na empiria da vida social. Ela condensa os dilemas da exploração do trabalho e dos mecanismos mistificadores de sua legitimação, enfeixada no trato essencial da alienação do trabalho, esquecido no debate contemporâneo.

O tema da alienação permite atestar o radical humanismo histórico do pensamento de Marx e é o mais importante fio de continuidade com a produção atual de Iamamoto.
A obra contém uma precisa abordagem da mercadoria em suas tensões internas entre valor de uso e valor, articulando a óptica da qualidade e da quantidade, da particularidade e da universalidade, do trabalho útil e abstrato.

Um foco central, a noção mesma de produção e reprodução das relações é submetida a um tratamento rigoroso na acepção de Marx. Esse parece ser um tema que expressa um dos “nós cegos” presentes no debate atual. É freqüente a tendência de se estabelecer, no nível da análise, uma muralha entre “esfera da produção – aprisionada nos muros fabris – e a da produção, reduzida à reprodução de um dos elementos da produção, o seu componente subjetivo, a força de trabalho, pela via do consumo de bens e serviços. Daí a reiterada afirmativa de que o Serviço Social se situa na esfera da reprodução, como conseqüência dessa interpretação empobrecida daquelas categorias analíticas.

Ao se discutir hoje a relação entre trabalho e Serviço Social, é possível identificar na obra em questão os fundamentos do debate sobre processo capitalista de trabalho, em seus elementos materiais e subjetivos que são universais, e nas características particulares que assume sob a órbita do capital.

O texto alerta sobre o perigo de redução do processo de produção ao processo de trabalho nos seus elementos simples – meios de trabalho, objeto e a atividade humana -, desvinculado de suas implicações na órbita da produção do valor e, eventualmente, da mais-valia, o que se encontra na raiz da mistificação do capital. Risco presente no debate atual, que pode resvalar para uma abordagem que reifique as relações sociais, comprometendo a historicidade das análises, ao considerar, unilateralmente, o substrato material do valor do capital: as coisas em que se expressa, isoladas das relações sociais por meio das quais ocorre a produção.
Risco de restringir a abordagem do processo de trabalho à óptica do valor de uso (ao trabalho útil, concreto) desvinculando-o de suas implicações na órbita do valor (do trabalho humano abstrato), ou seja, das relações sociais por meio das quais se efetiva, indissociável das formas de propriedade em que se inserem.
Livrando-se desses descaminhos, o texto sustenta que o caráter de capital, impresso às mercadorias e ao dinheiro desde a circulação, decorre do fato de que as condições de produção e os meios de subsistência encontram-se alienados do trabalhador e o enfrentam como coisas capazes de comprar pessoas, o que caracteriza essencialmente o capital como relação social.

A exposição sobre a reprodução das relações sociais apresenta os fundamentos da questão social no modo de produção especificamente capitalista, ao abordar a população sobrante no interior mesmo da lei de acumulação.

O texto identifica a particularidade do regime capitalista de produção, no qual a existência de uma superpopulação trabalhadora disponível, independe dos limites reais de crescimento da população, é fruto do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social. A população trabalhadora excedente é, portanto, produto da acumulação e uma das condições para seu desenvolvimento, uma vez que a oferta e demanda de trabalho, em condições absolutamente favoráveis ao capital, contribui na regulação do movimento geral dos salários.

É essa a explicação proposta sobre a gênese da questão social, cuja configuração depende da situação objetiva das classes trabalhadoras historicamente situadas ante as mudanças verificadas no modo de produzir e apropriar o trabalho excedente. Ela depende, ainda, da capacidade de luta e organização dessas classes na defesa de seus interesses de classe e de sua sobrevivência, assim como as diversas maneiras de interpretar e agir sobre ela propostas pelo bloco do poder, com o apoio do Estado.
Na opinião de Iamamoto, além da pesquisa histórica propriamente dita, que não foi superada e abriu inéditos caminhos para outras investigações sobre o tema, a afirmação do caráter contraditório do exercício profissional foi uma das principais contribuições desta obra no debate sobre o Serviço Social brasileiro. Expressa uma ruptura com as análises unilaterais que situavam o Serviço Social exclusivamente na órbita ora dos interesses do capital, ora dos trabalhadores.

A tese do sincretismo e da prática indiferenciada

Uma das mais expressivas contribuições para a renovação crítica do Serviço Social brasileiro é de autoria de Netto (1991b, 1992, 1996) (Ditadura e Serviço Social, Capitalismo Monopolista e Transformações Societárias, respectivamente).

Elaborada com fina sustentação teórico-metodológica e profundamente enraizada na história do país, na dinâmica da expansão monopolista mundial, ela é responsável por uma culta interlocução da profissão com o pensamento social na modernidade e, especialmente, com representantes clássicos e contemporâneos da tradição crítico-dialética. Poder-se-ia afirmar que, animada por uma vocação histórica exemplar, a tônica que singulariza essa análise é o privilégio da esfera da cultura ou, mais especificamente, da crítica ideocultural, como dimensão constitutiva da luta política pela ruptura da ordem burguesa.

Maior polêmica entre os interlocutores Iamamoto e Netto – o sincretismo da prática do trabalho do assistente social. A crítica, sem concessões em torno dessa formulação historicamente datada, é acompanhada do reconhecimento da ultrapassagem, na produção subseqüente do autor, da maior parte dos impasses identificados.
Netto propõe-se a elucidar o estatuto teórico da profissão e identificar a especificidade da prática profissional até os anos 60 do século XX, considerando uma dupla determinação: as demandas sociais e a reserva de forças teóricas e prático-sociais acumuladas pelas assistentes sociais, capazes ou não de responder às requisições externas. Esse percurso tem como centro o sincretismo, traço transversal da natureza do Serviço Social, desbordando-se na caracterização da prática profissional e dos seus parâmetros científicos e ideológicos.

O autor considera a natureza socioprofissional medularmente sincrética, posta a carência do referencial crítico-dialético. Esse pressuposto merece atenção, pois condiciona toda a análise da profissão enfeixada na problemática da reificação, terreno em que os processos sociais se mostram na sua fenomenalidade, o que justifica o sincretismo, enquanto princípio constitutivo da natureza da profissão.
Pressupondo a ausência de uma abordagem histórico-crítica, a estrutura sincrética do Serviço Social tem seus fundamentos na: a) questão social, núcleo das demandas histórico-sociais que se apresentam à profissão; b) no cotidiano, como horizonte do exercício profissional; e c) na manipulação de variáveis empíricas, enquanto modalidade específica da intervenção.

Como o sincretismo figura como a face aparente da totalidade do ser social, a natureza da profissão na sociedade burguesa madura é estabelecida a partir da sua fenomenalidade – aprisionada em sua indissociável reificação -, pressupondo a ausência de referencial crítico dialético.

Restringir o universo da análise do Serviço Social às formas reificadas de manifestação dos processos sociais, ainda que esse procedimento possa prevalecer no universo profissional, denuncia a mistificação, mas não elucida a natureza sócio-histórica dessa especialização do trabalho para além do universo alienado, em que se realiza e se mostra encoberta no sincretismo. Em outros termos, o esforço de desvendamento, ainda que essencial, torna-se parcial e inconcluso.

Há um estranho silêncio sobre a política, como instância de mediação da relação do homem com sua genericidade na análise de Netto (a qual sempre teve centralidade em sua vida pública), torna opaca, neste texto, a luta de classes na resistência à sociedade do capital. Isso deriva numa visão cerrada da reificação – forma assumida pela alienação na idade do monopólio – e a alienação tende a ser apreendida como um estado e menos como um processo que comporta contratendências, porque as contradições das relações sociais são obscurecidas na lógica de sua exposição.
Após caracterizar o sincretismo no Serviço Social, Netto desdobra-o nos níveis da prática indiferenciada, do sincretismo científico e do sincretismo ideológico. As análises de Netto acerca do sincretismo ideológico – focando a trajetória da influência conservadora européia e norte-americana na cultura profissional – e acerca do sincretismo científico – abordando o embate teórico-metodológico entre as ciências sociais e a teoria social – são ricas.

Entretanto, sobre o sincretismo da prática indiferenciada, Iamamoto apresenta críticas. Mantida a ausência de uma concepção teórica crítico-dialética, a estrutura sincrética tem sido debitada à peculiaridade operacional do Serviço Social enquanto prática, cuja profissionalização alterou a inserção sócio-ocupacional do assistente social (e o próprio significado social do seu trabalho), mas pouco feriu a estrutura da prática profissional interventiva, em comparação com a prática filantrópica. Ainda que tenha surgido um ator novo cuja prática passa a ser referenciada a um sistema de saber e enquadrada numa rede institucional, de fato, a intervenção não se alterou: mantém-se pouco discriminada, com referencial nebuloso e inserção institucional aleatória.

O que o autor vai acentuar e colocar como centro de sua análise é a aparência indiferenciada que se reveste a prática profissional, isto é, a manutenção de uma mesma estrutura da prática interventiva no tocante à sua operacionalidade, similar às suas protoformas. Ainda que reconheça que há um novo significado social para o trabalho profissional, uma vez que opera o corte com a filantropia, à medida que o Estado, na expansão monopolista, passa a centralizar e administrar as respostas às refrações da questão social, via políticas públicas.

A explicação da tese apresentada passa por dois vetores: a) as condições para a intervenção na sociedade burguesa marcada pela positividade ou pseudo-objetividade; b) a funcionalidade do Estado no confronto das refrações da questão social. Essas condições, que extrapolam a prática profissional, aparecem como se fossem limites endógenos ao Serviço Social.

O primeiro aspecto, que justifica a tese da manutenção da prática indiferenciada, diz respeito ao fato de que sua eficácia permaneceu circunscrita a manipulação de variáveis empíricas no rearranjo da organização do cotidiano, não rompendo com a imediaticidade que o impregna.

Outro vetor que contribui para o sincretismo da prática refere-se às políticas sociais estatais, incapazes de resolver a questão social, visto que só podem repor, em bases ampliadas, suas manifestações, cronificando-as. Sendo o desempenho profissional indissociável das políticas sociais, o máximo que consegue é a racionalização de recursos e esforços para o enfrentamento das refrações da questão social. Esse é o anel de ferro que aprisiona a profissão, não lhe permitindo ir além de suas protoformas.

Entretanto, deve-se notar que se as políticas sociais não têm o poder de fazer a eversão da questão social erradicando-a, também é certo que elas viabilizam direitos sociais, frutos de longo processo de lutas históricas dos trabalhadores pelo seu reconhecimento político. E elas também se aliam a iniciativas do bloco dominante na concessão de direitos, antecipando-se às reivindicações oriundas de diferentes segmentos sociais, segundo estratégias de desmobilização das lutas sociais. O campo das políticas públicas e dos direitos sociais é, também, uma arena de acumulação de forças políticas de lutas em torno de projetos para a sociedade no enfrentamento das desigualdades condensadas na questão social.

Em texto mais recente, Netto (1996), sem retornar à tese sobre o sincretismo da prática indiferenciada, apresenta uma análise primorosa sobre as incidências das transformações societárias no capitalismo tardio.

Ao se estabelecer um contraponto entre o debate sobre o sincretismo e o último texto referido, pode-se perceber uma clara inflexão no tratamento da prática profissional. Ela se apresenta, no ensaio mais recente, inteiramente polarizada pela política e tensionada por projetos de classes para a sociedade. É tratada como instância decisiva para assegurar a hegemonia da ruptura com o conservadorismo e alargar as bases sociais de legitimidade do Serviço Social junto às classes subalternas. A profissão passa a ser tratada como um campo de lutas, em que os diferentes segmentos da categoria, expressando a diferenciação ideopolítica existente na sociedade, procuram elaborar uma direção estratégica para a sua profissão.

A centralidade assumida pelas respostas profissionais, de caráter teórico-prático, às demandas emergentes – expressão das transformações vividas pela sociedade nas últimas décadas – mostra um estatuto profissional aberto a novas possibilidades, o que contrasta com o circuito fechado que informava a análise da fenomenalidade da prática no debate sobre o sincretismo.

Entretanto, os fundamentos do sincretismo, tais como antes apresentados pelo autor, se mantêm enquanto determinantes indissociáveis do ordenamento social sob a égide do capital.
Logo, existem inflexões entre as abordagens sobre a “prática profissional”, nos dois tempos da produção do autor. O diferencial está na saliência da dimensão contraditória das relações sociais e, consequentemente, das respostas profissionais no seu âmbito – não apenas enquanto um braço da reprodução da lógica reificada do capital -, mas permeáveis a uma direção estratégica contra-hegemônica. A profissão é atravessada pela luta de classes, o que comparece diluído na elaboração anterior. Essa inflexão não pode ser debitada apenas à presença de bases sociais da categoria voltadas a uma direção social estratégica contra-hegemônica informada pela tradição marxista, responsável pela renovação da cultura profissional.

Hipótese: há nesse segundo momento, uma revisão do sincretismo da prática indiferenciada, ainda que não explicitada pelo autor. Ela é tributária da análise do processo de reprodução social saturado de contratendências, tal como expresso na lógica da construção do texto, inteiramente permeado pelos dilemas contraditórios da história do tempo presente.

Netto não desdobra sua análise para as múltiplas determinações que forjam a efetivação do exercício profissional no mercado de trabalho, mediado pelo trabalho assalariado, o que não adquire proeminência nos seus ensaios; ainda que atribua a ele um lugar decisivo na fundação da profissionalização do Serviço Social, distinguindo-o das protoformas materializadas nas atividades nas atividades filantrópicas.

É por meio do estatuto assalariado que se abre às organizações patronais o poder de ingerência nos objetivos, conteúdos, princípios e instrumentos técnico-operativos do trabalho profissional, subsumindo dimensões importantes em relação ao conteúdo da atividade e da cultura profissional aos seus propósitos e funções, em tensão com a autonomia profissional, legalmente resguardada. Por outro lado, como os empregadores detêm recursos financeiros, materiais e humanos que respaldam a realização das ações profissionais, estabelecem critérios de prioridade e recortam as expressões da questão social e os sujeitos que as portam como público alvo da prestação de serviços profissionais. Os empregadores interferem, ainda, na definição de cargos e salários, jornada, critérios de produtividade, a serem observados, que esbatem na dinâmica técnico-operativa do trabalho, estabelecendo limites e possibilidades à efetivação de um projeto profissional coletivo e agregando um conjunto de particularidades na forma de sua implementação.

O efeito da atividade profissional no processo de reprodução das relações sociais não decorre apenas do seu “modo de operar”, que, segundo o autor, historicamente pouco se diferenciou das atividades similares que antecederam essa profissionalização; mas sim de sua funcionalidade social, indecifrável se pensada como atividade do indivíduo isolado, porque depende dos organismos aos quais se vincula e das relações sociais que lhe dão vida.

Deve-se considerar a mercadoria força de trabalho do assistente social, como unidade de valor de uso e valor, o que não cabe no universo da produção em tela. Ela considera a profissão de natureza ideo-política, não incorporando de forma transversal na análise a categoria trabalho tal como se expressa na sociedade capitalista, ainda que o trabalho do assistente social seja citado em inúmeras ocasiões ao longo dos textos referidos.
A Tese da Identidade Alienada
Martinelli (1989) traz pioneiramente ao debate o tema da “identidade e alienação no Serviço Social”, com o propósito último de descobrir os nexos de articulação entre o capitalismo e a profissão, ou seja, “compreender o real significado da profissão na sociedade do capital e sua participação no processo de reprodução das relações sociais.
O texto apresenta a trajetória da racionalização da assistência social e das origens e desenvolvimento do Serviço Social no seu âmbito, sob o signo da “ilusão do servir”, parte das iniciativas da burguesia, da Igreja, do Estado para o controle social da classe operária e enfrentamento da acumulação da pobreza. O propósito deste livro é identificar os óbices e as possibilidades para o desenvolvimento da identidade profissional e da consciência social dos assistentes sociais.
Sob nítida influência de Hegel, a autora formula seu objeto de estudo: O Serviço Social existente em si e em suas relações com a sociedade capitalista, em que teve sua origem e desenvolvimento como prática institucionalizada.
Seu pressuposto é que existiria uma identidade da profissão em si mesma, considerada como elemento definidor de sua participação da divisão social do trabalho e na totalidade do processo social. A tese supõe uma identidade em si, estabelecida idealmente como identidade verdadeira, que se perdeu nas origens e desenvolvimento do Serviço Social, tendo sido maculada na história, visto que a burguesia assume progressivamente o controle dessa prática profissional, transformando-a em uma estratégia de domínio de classes. A identidade dos agentes é consumida pela burguesia, plasmada artificialmente como uma identidade da profissão e incorporada pelos seus agentes.
Sua hipótese é que a ausência de identidade profissional fragiliza a consciência social da categoria profissional, determinando um percurso alienado, alienante e alienador da prática profissional, impedindo a categoria de ingressar no universo da consciência em si e para si do movimento operário, ou seja, assumir coletivamente o sentido histórico da profissão.
Suposto é claro: haveria um sentido histórico da profissão, que afirmaria a identidade da profissão em si e para si mesma: assumir a consciência em si e para si do movimento operário, procedendo assim, a ruptura com o que Hegel denomina de consciência infeliz, ou seja, a alma alienada, que é a consciência de si como natureza dividida.
Os resultados foram práticas burocráticas, alienadas e reducionistas, destituídas de referencial histórico-crítico, acompanhadas de ausência de laços de solidariedade entre pares e com outras categorias profissionais. E como o assistente social não tomava consciência das contradições que o envolviam, não tinha como superá-las. Para a autora comentada, a negação da identidade atribuída e a superação da alienação seriam possíveis, pela via de ruptura do Serviço Social com suas origens burguesas.
A ruptura da alienação por parte dos profissionais aparece, no texto, como uma função do pensamento crítico reflexivo, através do qual criações fetichizadas do mundo reificado se dissolvem e perdem sua enganosa fixidez, permitindo que se revele o mundo real, ocultado pela representação aparente. Nos momentos de crise, se expande a base crítica da consciência social dos agentes, através da ruptura com a alienação, e eles tomam consciência do caráter conservador de suas práticas.
Há que considerar a época desta publicação – final dos anos 80 – o que condiciona a ambientação da análise, influenciada pelos dilemas presentes no código de ética de 1986, que superestima a dimensão política da profissão.
Nessa obra, a autora constrói sua tese inspirada nas complexas noções de consciência de classe e alienação do trabalho, cuja apropriação pode ser discutida, transitando-as, sem as devidas mediações, para outro universo: o da profissão. Observa-se uma transposição imediata das noções de classe em si e para si para uma categoria profissional, que é tratada teoricamente com o mesmo estatuto histórico de uma classe social.
A autora transfere para o Serviço Social, sem as devidas mediações, os dilemas do papel histórico da classe operária, o que se encontra na raiz de impasses centrais observados no texto. Daí o suposto idealista de que caberia necessariamente à profissão, em sua inserção na divisão do trabalho, assumir a consciência em si e para si do movimento operário – o que no texto, parece se aproximar de uma exigência de ordem moral – tida como forma de ser da identidade verdadeira do assistente social, que lhe permitiria estabelecer os nexos de sua prática com a totalidade do processo social.
A profissão teria uma missão, que lhe foi “roubada” pelo poder dominante, visto que o capitalismo lhe impôs uma identidade atribuída de fora. A historicidade da profissão é metamorfoseada em perversidade do capital, que produz uma deformação de origem: a incorporação da prática profissional ao projeto hegemônico da burguesia.
Na obra de Martinelli em debate, apesar de se evocar a história de lutas do movimento operário, o trabalho, como dimensão ontológica central da constituição do ser social – um ser prático-social – não adquire centralidade na construção e demonstração da hipótese norteadora da análise. Nela, a centralidade é deslocada para a esfera da consciência.
Aspecto a destacar na análise desta tese: monolitismo com que é tratada a categoria profissional. A elaboração descarta a dimensão a dimensão socialmente contraditória do Serviço Social (ainda que declarada no texto), em favor da dualidade: a identidade aparece, num primeiro momento, produzida pela cultura dominante e sem nenhum potencial de transformação da realidade; e, num segundo momento, tendo por suposto a ocorrência da ruptura com a alienação e com suas próprias marcas burguesas de origem, a identidade profissional surge inteiramente comprometida com a luta social pela transformação da realidade. Assim comparecem traços ora fatalistas, ora messiânicos que obscurecem as tensões e contradições do objeto em questão.
A ruptura com a identidade alienada, alienante e alienadora de parte dos agentes profissionais é, fundamentalmente, uma atividade da consciência crítica e não da prática política. Inexiste qualquer referência ao partido, enquanto intelectual coletivo, nos termos de Gramsci.
A afirmação da consciência como motor de transformação consagra uma inversão da crítica de Marx e Engels à filosofia neo-hegeliana alemã: Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.
A ilusão de Hegel era a de que as idéias produziam, determinavam e dominavam o mundo real, sendo os verdadeiros grilhões dos homens. Portanto, a luta se restringia à transformação da consciência.
A Tese da Correlação de Forças
Um dos expoentes de maior peso do movimento de reconceituação do Serviço Social latino-americano – no embate crítico com a concepção funcionalista no Serviço Social – foi Vicente de Paula Faleiros. Pretende-se salientar a produção do autor referente ao Serviço Social, em especial sua tese referente à natureza da profissão e ao exercício profissional.
Seu traço distintivo é a preocupação com as relações de poder, que se desborda em uma importante e pioneira contribuição na temática da política social, considerado o campo em que se situa a profissão. É por meio da questão do poder que se pode encaminhar a análise da prática do Serviço Social. O eixo central de sua abordagem é a relação do Serviço Social com a política, introduzindo as noções gramscianas de “hegemonia” e “intelectual” no Serviço Social brasileiro.
Os textos mais antigos apresentam uma linha teórica mais nitidamente fundada na tradição marxista que as produções mais recentes. Nestas pode-se observar tanto um elo de continuidade com aquela tradição quanto o recurso mais intenso e freqüente a um conjunto de autores com filiações teóricas de diferentes matizes.
Sua concepção sobre a profissão foi sistematizada no paradigma das relações de força, poder e exploração, também denominado paradigma da articulação. O autor estabelece divisor de águas com o paradigma das relações interpessoais, que prevaleceu das origens do Serviço Social até a reconceituação.
Faleiros preconiza uma visão política da intervenção, que articule o geral e o particular, parte da luta por novas relações sociais em todas as dimensões da vida em sociedade. As relações entre a clientela dos serviços sociais, a instituição e o profissional são abordadas como parte das relações de classe.
A noção de poder é tratada a partir de sugestões de Gramsci, acopladas a elaborações de M. Foulcault sobre os micropoderes dos aparatos institucionais.
O assistente social é concebido como um intelectual orgânico, podendo contribuir para uma nova correlação de forças, uma nova hegemonia: como consenso das classes dominadas e capacidade que a classe operária tem de conquistar a consciência de seus aliados na formação do novo bloco histórico. Essa linha de análise abriu caminho a novas ações, a partir do lugar de trabalho dos profissionais, situando a ação profissional concreta em uma perspectiva política.
Segundo essa acepção, o objeto do trabalho do assistente social é uma questão disputada, um objeto de luta formado pelas relações de força, de poder e de saber para a conquista pelas classes subalternas de lugares, recursos, normas e espaços ocupados pelas classes dominantes.
Faleiros defende a tese que o Serviço Social, como produto da sociedade, consiste na mediação entre a produção material e a reprodução do sujeito para essa produção e na mediação entre a representação do sujeito nessa relação.
O resgate da identidade implica considerar manifestações da cultura e da ideologia, a mediação com o poder, processos sócio-afetivos, mitos, sentimentos. Supõe, portanto, a relação entre o sentir e o compreender numa determinada situação histórica, nas palavras de Gramsci, o que envolve o intelectual e o povo.
Nessa análise, a categoria profissional é tratada como intelectual orgânico vinculado aos interesses do trabalho, aquele que opera a mediação entre a representação e a reprodução, elidindo a clivagem de classe que também se expressa no interior da categoria. O assistente social é visto como o intelectual que opera a mediação entre a representação e a reprodução, embora nesse processo intervenham inúmeras outras forças sociais, as quais não têm a devida visibilidade, como os partidos, as igrejas, os sindicatos, além dos aparatos de coerção estatal.
Para o autor, a relação do assistente social com a população se processa no campo da política do cotidiano, isto é, nas relações entre mudanças societárias e aquelas que têm lugar na vida cotidiana. Elas implicam relações de saber e de poder voltadas à superação de um problema, o que requer estratégias de saber e de poder voltadas à superação de um problema, o que requer estratégias e táticas voltadas à articulação de novas relações dos sujeitos entre si e com a estrutura para operar mudanças na situação apresentada.
A preocupação do autor com as relações entre sujeito e estrutura desdobra-se, atualmente, para situar, no marco do paradigma da correlação de forças, o empowerment como objeto do Serviço Social.
Sabe-se da ambígua e polissêmica noção de empowerment – que abrange a ênfase psicológica, a comunitária, o discurso a favor do oprimido, entre outros – carrega forte conotação liberal, centrada no interesse do indivíduo presente nas lutas pelos interesses civis.
Trata-se de uma noção teórica estranha à teoria social crítica e ao método que lhe é inerente, ainda que, para Faleiros, o esforço de sua ressignificação se coadune com a inspiração gramsciana.
Faleiros preocupa-se em superar as dicotomias entre estrutura e sujeito e é um dos estudiosos que privilegia as mediações envolvidas no exercício profissional: seus determinantes institucionais, as estratégias e táticas na ação profissional, a relação entre profissionais e usuários dos serviços, entre outros aspectos.
A Tese da Assistência Social
A política pública de assistência no marco da seguridade social tem sido um dos âmbitos privilegiados de atuação profissional e um dos temas de destaque no Serviço Social brasileiro recente.
Do fecundo espectro de produções recentes sobre a assistência e proteção social foram priorizadas aquelas que estabelecem um explícito vínculo com o Serviço Social, trazem inéditas contribuições e/ou tiveram explícita incidência na polêmica sobre a profissão.
No livro Classes subalternas e assistência social, Yazbek (1993) faz uma interlocução com estudos sobre a pobreza brasileira e seu enfrentamento pela via das políticas sociais públicas, com ênfase na ação do Estado, privilegiando os impactos dessas políticas sobre a população-alvo dos serviços assistenciais.
Novidade que esta obra anuncia é a abordagem da assistência na óptica dos de baixo, salientando os impactos dessa política na sua materialidade e subjetividade do homem simples, nos termos de Ianni (1975), alvo das ações profissionais envolvidas nessa política pública, que têm tido pouca visibilidade na literatura especializada. Nesta, a abordagem do tema tendeu a privilegiar a óptica da ação do Estado e do capital.
A autora traz uma contribuição original para pensar a particularidade do Serviço Social tendo como fulcro a assistência social na conformação da identidade das classes subalternas. A profissão é vista como uma intervenção mediadora na relação do Estado com os setores excluídos e subalternizados da sociedade, situada no campo das políticas sociais e assistenciais na concretização da função reguladora do Estado na vida social.
Outro fator distintivo da citada elaboração, fundada sob o prisma das relações de classe e seus conflitos, é a apreensão do caráter contraditório das políticas sociais – em particular, da assistência – e do Serviço Social no seu âmbito – no enfrentamento à questão social, fio transversal que atravessa toda a análise. Essas políticas reproduzem a luta mais geral da sociedade e as contradições e ambigüidades que permeiam os diversos interesses em contraposição.
Sendo a assistência uma das dimensões em que se imbricam as relações entre as classes e destas com o Estado, ela abrange o conjunto de práticas que o Estado desenvolve de forma direta ou indireta junto às classes subalternizadas, com sentido aparentemente compensatório de sua exclusão, conformando-se como um campo de acesso a bens e serviços. Enquanto estratégia contraditória da gestão estatal da pobreza das classes subalternas, o assistencial é, na óptica do Estado, um mecanismo de estabilização social e, para os segmentos subalternos, uma forma de acesso a recursos e serviços, parte da gestão estatal da força de trabalho. Entretanto, a assistência também abre um espaço do resgate do seu protagonismo na luta pelo reconhecimento dos direitos de cidadania, atribuindo às demandas dos subalternos uma legimitidade pública.
A população-alvo das políticas de assistência social (e, consequentemente do Serviço Social) é lida a partir da categoria de subalterno. Incorpora a perspectiva gramsciana de classes subalternas, tida como mais rica que a de trabalhador, uma vez que expressa não apenas a exploração, mas a dominação e a exclusão econômica e política.
Entretanto, na obra comentada, a noção de exclusão integrativa não envolveu o enfrentamento teórico da lei geral da acumulação e sua correspondente lei da reprodução da população. Com base em tais parâmetros, Yazbek propõe integrar à óptica de classe as noções de exclusão e subalternidade, tidas como dela indissociáveis para pensar o segmento alvo da assistência social.
O propósito da autora de atribuir visibilidade à experiência e auto-representações dos assistidos, quanto à política de assistência social, leva-a a enfrentar o difícil e polêmico debate sobre as representações sociais no campo da tradição marxista. Incorporando sugestões de autores diferenciados dessa tradição intelectual, concebe as representações como organização significante do real para os que a vivenciam abordadas como constitutivas do próprio ser social, seu modo de pensar e interpretar a realidade cotidiana, parte da subjetivação da realidade objetiva e também da ideologia que justifica essa realidade e oculta relações de poder.
Yazbek reconhece a posição secundária que a assistência social vem tradicionalmente ocupando nas políticas públicas, com ações tangenciais às demais políticas e terreno fértil ao clientelismo.
Dúvida se o potencial de cidadania atribuído a essa política pode ser decisivamente preenchido no seu âmbito. Haja vista a pesquisa da autora – que apontou que a via assistencial tem sido um reforço da subalternidade – e as dificuldades de representação dos usuários nos Conselhos de Assistência, tal como se constata após mais de uma década de implantação da LOAS.
A assistência tem sido uma mediação fundamental para o exercício profissional, segundo a autora.
A aparência de efetuar uma concessão de benefícios – e não de viabilização de direitos tem resultado em reiteração da subalternidade.
O assistente social, reconhecido como profissional da assistência, insere-se no interior dos equipamentos sócio-assistenciais como mediador entre Estado, instituição e classes subalternas no atendimento aos segmentos empobrecidos e subalternizados.
Existe uma fina sintonia entre a concepção de profissão no processo de reprodução das relações sociais – e o conseqüente caráter contraditório da profissão nesse processo e a análise de Serviço Social assumida por Yazbek. Mas a ênfase na tese da assistência é umas marca distintiva e original das suas elaborações.
A Tese da Proteção Social
No contraponto à tese da política pública da assistência social como distintiva da particularidade da profissão, a tese da proteção social de Sueli Gomes Costa (1995) marcou presença no debate nacional sobre a formação profissional com incidências na pós-graduação.
A proteção social, enquanto campo teórico de interesse profissional, é apresentada por Costa como fio analítico para o exame do Serviço Social e das transformações operadas na cultura profissional e um norte alternativo àquele impresso às diretrizes curriculares da área em meados dos anos 90.
Para a autora, o Serviço Social, desde os seus primórdios, é parte de processos civilizadores que incluem experiências e estados de consciência voltados para a proteção social. Sendo esta uma regularidade histórica de longa duração, em seu processo de continuidades e rupturas, revela muitos significados na vida humana. E foi da proteção social que os assistentes sociais sempre se ocuparam, o que demarca seu campo profissional.
Segundo Costa, a proteção social envolve múltiplas dimensões dos processos históricos, pois a vida humana não se move apenas por tensões interclassistas, sendo, a lutas de classes, um dentre muitos processos que a impulsionam. Essa concepção exige mudanças dos paradigmas envelhecidos, de que parecem tudo explicar – como, por exemplo, o da polarização entre classes sociais – nos quais não se sustenta a abordagem proposta.
Costa afirma seu alinhamento à corrente do pensamento marxista, mas repele a onipotência das explicações genéricas. Ela afirma abordar as regularidades históricas de outra forma, mais próxima ao pensamento antropológico.
O suposto que informa a crítica feita pela autora é o que dever colocado no centro do debate: o viés economicista da abordagem de Marx sobre a produção e, consequentemente sobre a reprodução.
Segundo Iamamoto, atribuir identidade entre Marx e o economicismo – entre a densidade histórica que impregna a formação das classes sociais e as determinações da economia em última instância que desbordam em dualidades simplistas e genéricas – é adensar a fogueira do antimarxismo, ainda que em nome do resgate das particularidades culturais.
A concepção de proteção social, apresentada por Costa, não a considera como política pública, pois não é disso que se trata, e sim, de experiências autogestionárias ou não de proteção social, que restaurem o aparato assistencial no interior das redes de solidariedade, integrando esfera pública e privada. A autora propõe como estratégia de um novo sistema de proteção social recompor o aparato assistencial com as redes de solidariedade e os grupos de auto-ajuda admitidos como capazes de conduzir as ações de defesa dos interesses coletivos.
Em tempos orquestrados pelas políticas neoliberais, pensar as práticas de proteção social exclusivamente nas chamadas relações intra-sociais, adstritas às convivências de indivíduos e grupos em situação de não-autonomia quanto a sua sobrevivência, pode servir aos interesses no poder: um alento ao discurso que faz ode à restrição da responsabilidade do Estado no campo das políticas públicas em resposta à questão social, em nome das iniciativas solidárias da sociedade civil, para as quais têm sido transferidas funções típicas de Estado.
A Tese da Função Pedagógica do Assistente Social
A influência do pensador italiano Antônio Gramsci no Serviço Social brasileiro já foi objeto de importantes pesquisas que resgatam dimensões de sua teoria, sua difusão no país e na literatura profissional, submetendo a um balanço crítico a produção do Serviço Social de inspiração gramsciana dos anos 80 e meados de 90.
Iamamoto elegeu o recente trabalho de Marina Abreu (2002) intitulado O Serviço Social e a Organização da Cultura, voltado à leitura dos perfis pedagógicos da prática profissional no País, para analisar.
Esta é uma obra que se destaca pela densidade e rigor teórico na interpretação das tendências dos processos históricos macroscópicos e do Serviço Social no seu âmbito, abordando, com originalidade, a constituição e tendências presentes no desenvolvimento do Serviço Social no Brasil.
O objetivo da obra é discutir a função pedagógica do assistente social mediada pelas políticas públicas – em especial a assistência social – e pelos processos organizativos e lutas das classes subalternas, inscrita nos processos de organização da cultura por parte das classes sociais. O Serviço Social, ao inscrever-se entre as “necessidades sociais” e os “sistemas de controle social”, constitui-se integrado “à afirmação da cultura dominante no campo das estratégias político-culturais de subalternização das classes detentoras da força de trabalho”. Ele apresenta perfis pedagógicos diferenciados ao longo da trajetória profissional: a “pedagogia da ajuda”, “a pedagogia da participação” e a “pedagogia emancipatória das classes subalternas”, que coexistem, refuncionalizadas, em disputa no cenário profissional contemporâneo.
A profissão vincula-se às citadas estratégias por meio das políticas públicas, das políticas de formação e gestão dos recursos humanos – nas instâncias da produção material, na circulação de mercadorias e distribuição da riqueza – e dos processos de luta e resistência das classes subalternas. As ações pedagógicas concretizam a ação material e ideológica no modo de vida, de sentir, pensar e agir das classes subalternas envolvidas nos espaços ocupacionais, interferindo na reprodução física e subjetiva dessas classes, ao mesmo tempo que rebatem na constituição do Serviço Social como profissão. Por meio dessas funções, o Serviço Social inscreve-se no campo da cultura, pensada a partir do fordismo e de sua correlata ideologia, o americanismo: padrão produtivo e de trabalho e a organização de uma ordem intelectual e moral pelas classes subalternas. O princípio educativo na formulação gramsciana consubstancia-se na relação entre racionalização da produção e do trabalho e na formação de uma ordem intelectual e moral, sob a hegemonia de uma classe.
Para Gramsci, as relações pedagógicas não se reduzem às relações escolares, pois cada relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica, estando essas relações inscritas na luta de classes pela hegemonia na sociedade.
A política de assistência social em seu caráter ressocializador é constitutiva dos processos de organização da cultura. Ela é vista como uma “modalidade de acesso do trabalhador a bens e serviços no atendimento de suas necessidades básicas, cujo componente material é referência determinante de determinada pedagogia”.
A tese da autora é que, na expansão monopólica, a função pedagógica do assistente social é indissociável “da elaboração e difusão de ideologias na organização da cultura”. Ela se realiza mediante estratégias que articulam interesses econômicos, políticos e ideológicos de uma classe, constituindo formas de pensar e agir próprias de determinado modo de vida em que a formação de subjetividades e as normas de condutas são elementos moleculares. A sustentação dessa proposta analítica enfrenta polêmicas sobre a interpretação de Gramsci quanto ao “Estado e sociedade civil” e “hegemonia” – referência necessária à explicitação da tese da autora e apreciação das tendências atuais da função pedagógica do assistente social.
O foco nos processos de organização da cultura desdobra-se na afirmação de que o assistente social emerge na sociedade capitalista como um “intelectual profissional do tipo tradicional”, a partir do argumento de que a profissão se enraíza em práticas de assistência social, que antecedem a sociedade capitalista. Essas práticas são redefinidas pelo capital no decurso da expansão monopolista no enfrentamento e neutralização das manifestações da classe trabalhadora, voltadas à defesa de seus interesses, o que requisita a profissionalização do Serviço Social.
Na óptica defendida por Iamamoto, a profissionalização do Serviço Social ocorre, exatamente, quando ele rompe com a tradicional filantropia e dela se distingue – passando com ela a coexistir – ao ser absorvido pelo aparato de Estado e segmentos patronais industriais na implementação de políticas voltadas à reprodução da força de trabalho e ao controle social das classes subalternas, o que viabiliza a constituição de um mercado de trabalho crescente para o assistente social.
Abreu reconhece que a partir dos anos 50 e 70, a função pedagógica do assistente social é polarizada por dois processos distintos, que nutrem a crise profissional: de um lado, o de formação do trabalhador fordiano no processo de organização do americanismo a que se acopla, posteriormente, o padrão cultural instaurado pelo Welfare State, tendo por base o conformismo mecanicista como princípio educativo, que se traduz no âmbito do Serviço Social na pedagogia da participação.
A derivação necessária dessa argumentação é a defesa do assistente social como um intelectual orgânico vinculado a um projeto de classe revolucionário de vocação socialista. Essa perspectiva re-atualiza o debate oriundo dos anos 80, que tornam fluidos os limites entre profissão e militância política revolucionária na defesa da sociedade socialista, porque equaliza inserções e dimensões diferenciadas vividas pelo assistente social, enquanto profissional assalariado e enquanto cidadão político, visto não ser a categoria politicamente homogênea, por tratar-se de uma especialização do trabalho na sociedade e não de uma atividade que se inscreva na arena da política stricto sensu. Esta última observação é um dos fulcros da diferença de interpretação da profissão com a autora, que tem o Serviço Social como uma forma de práxis.
Abreu identifica duas tendências no campo progressista da profissão, que se mostra cindido em nível das propostas estratégicas para a sociedade: uma tendência afirma o compromisso profissional com as lutas das classes subalternas pela defesa dos direitos civis, sociais e políticos, da democracia e da justiça social nos limites da tendência que consubstanciou a experiência do chamado Estado de Bem-Estar, muitas vezes apresentadas com o fim último da intervenção profissional, o que, nos termos de Antunes, traduz uma acomodação de interesses dentro da ordem.
Outra tendência, esta defendida pela autora, estabelece o compromisso profissional com as lutas das classes subalternas no sentido da superação da ordem burguesa e construção de uma nova sociedade – a socialista – a qual supõe a ultrapassagem das lutas no campo dos direitos, nos limites da chamada democracia burguesa.
A função pedagógica do assistente social voltada à emancipação das classes subalternas, na análise efetuada, tem sua sustentação sócio-histórica apoiada em um estreito arco de forças sociais organizadas.
Essas indicações sugerem dois feixes de questões: a) a formulação do perfil pedagógico emancipatório do assistente social, enquanto norte defendido para a profissão, no contexto brasileiro, está restrito a um segmento minoritário das classes subalternas, altamente politizado e solidário a um projeto socialista da sociedade. Um projeto profissional fundado exclusivamente nessas bases sociais – que não dispõem de ampla representatividade nas condições efetivas em que opera o exercício da profissão – apresenta-se como um “dever ser” distante da diversidade sociopolítica que conforma a categoria; b) faltam mediações efetivas na análise da profissão e de seu exercício, em decorrência da perspectiva teórica adotada.
Na perspectiva adotada por Iamamoto, é necessário re-situar na análise o caráter contraditório da profissão, extraindo dele efetivas conseqüências para a análise das funções tradicionais e emergentes do assistente social nas experiências vigentes no mercado de trabalho. Considerando as possibilidades diferenciadas de autonomia que dispõe o assistente social nos vários espaços ocupacionais e a força dos interesses sociais distintos que neles se refratam, a efetivação de um projeto profissional não pode depender de uma seleção de tipos seletivos de práticas; mas da direção social e política impressa ao trabalho nos diferentes espaços ocupacionais, consoante os limites e possibilidades de um fazer profissional que, embora denso de conteúdo político, distingue-se da arena da militância política.
À medida que o texto em debate pauta-se pela leitura do exercício profissional como uma dimensão da práxis, as determinações que atribuem uma particularidade ao trabalho do assistente social – exercido por meio do estatuto assalariado – que forja as condições em que essa especialização do trabalho se inscreve na reprodução das relações sociais – são obscurecidas e secundarizadas. Elas estabelecem limites, socialmente objetivos, à efetivação dos rumos projetados mais além da vontade tanto dos profissionais individuais quanto da categoria, enquanto coletividade.
Hipótese: o núcleo do impasse da elaboração de Abreu está na leitura da profissão na história da sociedade – tratada na sua necessária dimensão político-ideológica – que desconsidera as implicações envolvidas na mercantilização dessa força de trabalho especializada.
A análise de Abreu tem seu centro na organização da cultura caucionada nas formas de organização da produção – dada a centralidade ao trabalho na vida em sociedade – insurgindo-se contra as análises que aprisionam a leitura da cultura na dimensão superestrutural. Porém, este pressuposto não impregna, com igual força, a análise do exercício profissional mediado por uma relação assalariada.
Não são privilegiadas nem as implicações oriundas da inscrição dessa força de trabalho especializada na esfera do valor de troca – pois o salário faz sua equivalência com o mundo das mercadorias – e nem as implicações do trabalho realizado pelo assistente social na órbita da produção e distribuição do valor e da mais-valia, porque essa não é a linha analítica adotada.
O fio teórico transversal a esta tese, cujos esteios se fundam no trabalho e na forma social que assume na sociedade burguesa, alimentou a hipótese norteadora da leitura da literatura considerada, aqui retomada, porque obteve sua confirmação: as elaborações consideradas centram-se nas particularidades do Serviço Social enquanto trabalho concreto, ou seja, priorizaram sob diversas ópticas, a qualidade determinada que distingue esse trabalho profissional no concerto das demais especializações do trabalho na sociedade brasileira, com ênfase nos seus componentes político-organizativos e ideológicos.
Ainda que a totalidade dos autores reconheça que o exercício profissional realiza-se pela mediação do trabalho assalariado, mediante um contrato de trabalho no circuito do Estado ou de empregadores privados, nenhum deles atribui centralidade à outra dimensão deste mesmo trabalho: sua condição de trabalho abstrato envolvida na compra e venda dessa força e trabalho especializada, porque suas elaborações não são presididas centralmente pela teoria do valor, tal como proposta por Marx.

Fundamentos III - Iamamoto - SS na Contemporaneidade

O Serviço Social na contemporaneidade

Sintonizando o serviço social com os novos tempos


Pensar o serviço social na contemporaneidade requer os olhos abertos para o mundo contemporâneo para decifra-lo e participar da sua recriação.(p.19)


Premissa

 o atual quadro sócio-histórico não se reduz a um pano de fundo para que se possa, depois, discutir o trabalho profissional. Ele atravessa e conforma o cotidiano do exercício profissional do assistente social, afetando as suas condições e relações de trabalho, assim como as condições de vida da população usuária dos serviços sociais. (p.19)

Pressupostos

1. é necessário romper com uma visão endógena, focalista, uma visão de dentro do serviço social. Necessário extrapolar o serviço social para melhor apreende-lo na história da sociedade da qual ele é parte e expressão.
Um dos maiores desafios enfrentados pelos assistentes sociais na atualidade: decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo. (p.20)
Olhar para fora do serviço social é condição para se romper tanto com uma visão rotineira, reiterativa e burocrática do serviço social, que impede vislumbrar possibilidades inovadoras para a ação, quanto com uma visão ilusória e desfocada da realidade, que conduz a ações inócuas. Ambas têm um ponto em comum: estão de costas para a história, para os processos sociais contemporâneos. (p.22)
2. entender a profissão hoje como um tipo de trabalho na sociedade. A abordagem do serviço social como trabalho supõe apreender a chamada prática profissional profundamente condicionada pelas relações entre o Estado e a Sociedade Civil, ou seja, pelas relações entre as classes na sociedade, rompendo com a endogenia do serviço social. O processo de compra e venda da força de trabalho especializada em troca de um salário faz com que o serviço social ingresse no universo da mercantilização, no universo do valor. A profissão é socialmente necessária, tem um valor de uso, uma utilidade social. (p.22-4)
3. Tratar o serviço social como trabalho supõe privilegiar a produção e a reprodução da vida social, como determinantes na constituição da materialidade e da subjetividade das classes que vivem do trabalho, nos termos de Antunes. Quando se fala em produção/reprodução da vida social não se abrange apenas a dimensão econômica, mas a reprodução das relações sociais de indivíduos, grupos e classes sociais. Abrange também as formas de pensar, isto é, as formas de consciência, através das quais se apreende a vida social. (p.25-7)
Em síntese, o serviço social é considerado como uma especialização do trabalho e a atuação do assistente social uma manifestação de seu trabalho, inscrito no âmbito da produção e reprodução da vida social. Esse rumo da análise recusa visões unilaterais, que apreendem dimensões isoladas da realidade, sejam elas de cunho economicista, politicista ou culturalista. A preocupação é afirmar a óptica da totalidade na apreensão da dinâmica da vida social.(p.27)

Questão social e serviço social

 O serviço social tem na questão social a base de sua fundação como especialização do trabalho. Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. (p.27)

 Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia, pr envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a elas resistem e se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movidos por interesses distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. Por isto, decifrar as novas mediações por meio das quais se expressa a questão social, hoje, é de fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva: para que se possa tanto apreender as várias expressões que assumem, na atualidade, as desigualdades sociais, quanto projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida.(p.28)

 As transformações no mundo do trabalho vêm acompanhadas de profundas mudanças da esfera do Estado, consubstanciadas na reforma do Estado, exigida pelas políticas de ajuste, tal como recomendadas pelo consenso de Washington. Em função da crise fiscal do Estado em um contexto recessivo, são reduzidas as possibilidades de financiamento dos serviços públicos; ao mesmo tempo, preceitua-se o enxugamento dos gastos governamentais, segundo os parâmetros neoliberais. (p.34)

 As repercussões da proposta neoliberal no campo das políticas sociais são nítidas, tornando-se cada vez mais focalizadas, mas descentralizadas, mais privatizadas. Presencia-se a desorganização e destruição dos serviços sociais públicos. (p.36)

 Tais indicações apontam para que a reflexão contemporânea sobre o trabalho profissional tome, com urgência, um banho de realidade brasileira, munindo-se de dados, informações e indicadores que possibilitem identificar as expressões particulares da questão social, assim como os processos sociais que as reproduzem. (p.37-8)

As mudanças no mercado profissional de trabalho

 Esse processo desafia todos os cidadãos e, em especial, os assistentes sociais, repercutindo no mercado de trabalho especializado.. A retração do Estado em suas responsabilidades e ações no campo social manifesta-se na compressão das verbas orçamentárias e no deterioramento da prestação de serviços sociais públicos. Vem implicando uma transferência, para a sociedade civil, de parcela das iniciativas para o atendimento das seqüelas da questão social, o que gera significativas alterações no mercado profissional de trabalho, com a refilantropização social. Não se trata de um ressurgimento da velha filantropia, do século XIX. O que se presencia é filantropia do grande capital, resultante de um amplo processo de privatização dos serviços públicos. (p.42-3).

 Todo esse processo vem repercutindo no mercado de trabalho do assistente social. Cresce a atuação do Serviço Social na área dos recursos humanos, na criação dos comportamentos produtivos favoráveis para a força de trabalho, também denominado de clima social. Ampliam-se as demandas ao nível da atuação nos círculos de controle da qualidade, nos programas de qualidade total. (p.47)

 O que tais alterações trazem de novo? O Serviço Social sempre foi chamado pelas empresas para eliminar focos de tensões sociais, criar um comportamento produtivo da força de trabalho, contribuindo para reduzir o absenteísmo, viabilizar benefícios sociais, atuar em relações humanas na esfera do trabalho.. Embora essas demandas fundamentais se mantenham, elas ocorrem hoje sob novas condições sociais e, portanto, com novas mediações. Assim, os chamamentos à participação, o discurso da qualidade, da parceria, da cooperação são acompanhados pelo discurso de valorização do trabalhador. Para assegurar a qualidade do produto é necessário a adesão do trabalhador às metas empresariais da produtividade, da competitividade. (p.47)

O ensino em Serviço Social e a construção de um projeto profissional nas décadas de 1980/90

 A década de 80 foi fértil na definição de rumos técnico-acadêmicos e políticos para o Serviço Social . Hoje existe um projeto profissional, que aglutina segmentos significativos de assistentes sociais no país, amplamente discutido e coletivamente construído ao longo das duas últimas décadas. As diretrizes norteadoras desse projeto se desdobraram no código de ética profissional do assistente social, de 1993, na lei da regulamentação da profissão de Serviço Social e hoje, na nova proposta de diretrizes gerais para o curso de Serviço Social .

 Esse projeto de profissão e de formação profissional, hoje hegemônico, é historicamente datado. É fruto e expressão de um amplo movimento da sociedade civil desde a crise da ditadura, afirmou o protagonismo dos sujeitos sociais na luta pela democratização da sociedade brasileira. Foi no contexto de ascensão dos movimentos sociais, das mobilizações em torno da elaboração e aprovação da Constituição de 88, das pressões populares que redundaram no afastamento do Presidente Collor, que os assistentes sociais foram sendo questionados pela prática política de diferentes segmentos da sociedade civil. E os assistentes sociais não ficaram a reboque desses acontecimentos. Ao contrário, tornaram-se um dos seus co-autores, co-participantes desse processo de lutas democráticas na sociedade brasileira. Encontra-se aí a base social da reorientação da profissão nos anos 80. O Serviço Social deu um salto de qualidade em sua autoqualificação na sociedade e a relação do debate atual com esse longo trajeto é uma relação de continuidade e de ruptura. (p.50-1)

 impasses profissionais na atualidade

1. o famoso distanciamento entre trabalho intelectual, de cunho teórico-metodológico, e o exercício da prática profissional cotidiana, ou seja, a defasagem entre as bases de fundamentação teórica da profissão e o trabalho de campo;
2. a construção de estratégias técnico-operativas para o exercício da profissão, ou seja, preencher o campo de mediações entre as bases teóricas já acumuladas e a operatividade do trabalho profissional.


 O caminho para a ultrapassagem desses impasses parece estar, por um lado, no cultivo de um trato teórico-metodológico rigoroso, mas a ele aliado, um atento acompanhamento histórico da dinâmica da sociedade. (p.52)

 O grande desafio na atualidade é, pois, transitar da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da profissão na realidade, atribuindo, ao mesmo tempo, uma maior atenção às estratégias, táticas e técnicas do trabalho profissional, em função das particularidades dos temas que são objetos de estudo e ação do assistente social. (p.52)

 Três armadilhas da profissão nos últimos anos:

1. teoricismo= o equívoco foi pensar que a apropriação teórico-metodológica no campo das grandes matrizes do pensamento social garantiria a descoberta de novos caminhos para o exercício profissional. Na verdade seria mais apropriado pensar que a busca de novos caminhos passaria por uma apropriação mais rigorosa da base teórico-metodológica, mas não se reduziria a ela;
2. politicismo= o equívoco foi pensar que o engajamento político nos movimentos organizados da sociedade e nas instâncias de representação da categoria garantiria a intervenção profissional articulada aos interesses dos setores majoritários da sociedade. Mais apropriado seria reconhecer a dimensão política da profissão e as suas implicações mais além do campo estrito da ação profissional, pensada a partir da inserção nos movimentos organizados da sociedade;
3. tecnicismo= o equívoco foi pensar que o mero aperfeiçoamento técnico-operativo garante uma inserção qualificada do assistente social no mercado de trabalho. Mais apropriado seria considerar este aperfeiçoamento como um dos elementos exigidos para a qualificação profissional.

 Cada elemento original contido naquelas afirmativas: teórico-metodológico, ético-político e técnico- operativo são fundamentais e complementares entre si.(p.53)
 Desafio: articular a profissão e a realidade já que o Serviço Social não atua apenas sobre a realidade, mas atua na realidade. Neste sentido, o que se reivindica é que a pesquisa se afirme como uma dimensão integrante do exercício profissional, visto ser uma condição para se formular respostas capazes de impulsionar a formulação de propostas profissionais que tenham efetividade e permitam atribuir materialidade aos princípios ético-políticos norteadores do projeto profissional. (p.56)




A prática como trabalho e a inserção do assistente social em processos de trabalho

 Proposta curricular atual contém dois elementos que representam uma ruptura com a concepção dos anos 80:
1. considera a questão social como base de fundamentação sócio-histórica do Serviço Social
2. apreende a prática profissional como trabalho o exercício profissional inscrito em um processo de trabalho.
 A questão social deixa de ser considerada apenas como desigualdade social entre pobres e ricos, passando a considerar as particulares formas de luta, de resistência material e simbólica acionadas pelos indivíduos sociais à questão social. (p.59)
 A análise da prática do assistente social como trabalho, integrado em um processo de trabalho permite mediatizar a interconexão entre o exercício do Serviço Social e a prática da sociedade. Sendo o trabalho uma atividade prático-concreta e não só espiritual, opera mudanças tanto na matéria ou no objeto a ser transformado, quanto no sujeito, na subjetividade dos indivíduos, pois permite descobrir novas capacidades e qualidades humanas. (p.60)
 Todo processo de trabalho implica uma matéria-prima ou objeto sobre o qual incide a ação; meios ou instrumentos de trabalho que potenciam a ação do sujeito sobre o objeto; e a própria atividade, ou seja, o trabalho direcionado a um fim, que resulta em um produto. (p.61-2)
 O objeto de trabalho ou a matéria-prima do Serviço Social são as expressões da questão social; o conhecimento é o meio de trabalho, ou seja, as bases teórico-metodológicas são recursos essenciais que o assistente social aciona para exercer o seu trabalho = o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos pelo assistente social ao longo de seu processo formativo são parte do acervo de seus meios de trabalho. (p.63)


 O AS não detém todos os meios necessários para a efetivação de seu trabalho: financeiros, técnicos e humanos necessários ao exercício profissional autônomo. Ainda que disponha de relativa autonomia na efetiva cão de seu trabalho, o AS depende, na organização da atividade, das instituições que o contratam. Portanto, a instituição não é um condicionante a mais do trabalho do AS, ou um obstáculo. Ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa. (p.63)
 O Serviço Social é socialmente necessário porque ele atua sobre questões que dizem respeito a sobrevivência social e material dos setores majoritários da população trabalhadora. Tem uma objetividade que não é material mas é social. (p.67)
 Conclusão: o Serviço Social é um trabalho especializado, expresso sob a forma de serviços, que tem produtos: interfere na reprodução material da força de trabalho e no processo de reprodução sociopolítica ou ídeo-política dos indivíduos sociais. (p.69)

As novas diretrizes curriculares

 A proposta de currículo encontra-se estruturada a partir de três núcleos temáticos:
1. fundamentos teórico-metodológicos da vida social=Compreende um acervo de temas que permite fornecer bases para a compreensão da dinâmica d vida social na sociedade burguesa;
2. fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira= compreende elementos que permitam apreensão da produção e reprodução da questão social e as várias faces que assume nessa sociedade;
3. fundamentos do trabalho profissional= compreende todos os elementos constitutivos do Serviço Social como uma especialização do trabalho. (p.72)

 Esses três núcleos não representam uma seqüência evolutiva ou uma hierarquia de matérias, são níveis distintos e complementares de conhecimentos necessários à atuação profissional. (p.73)

Rumos ético-políticos do trabalho profissional

 O Serviço Social nos anos 80 teve os olhos mais voltados para o Estado e menos para a sociedade, mais para as políticas sociais e menos para os sujeitos com quem trabalha, o modo e as condições de vida. (p.75)
 O código de ética nos indica um rumo ético-político, um horizonte para o exercício profissional. O desafio é a materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho, evitando que se transformem em indicativos abstratos. (p.77)

O debate contemporâneo da reconceituação do Serviço Social: ampliação e aprofundamento do marxismo

 Se a descoberta do marxismo pelo Serviço Social latino-americano contribuiu decisivamente para um processo de ruptura teórica e prática com a tradição profissional, as formas pelas quais se deu aquela aproximação do Serviço Social com o amplo e heterogêneo universo marxista foram também responsáveis por inúmeros equívocos e impasses de ordem teórica, política e profissional cujas refrações até hoje se fazem presentes. (p.210)
 O primeiro equívoco se deu a partir do fato de que o encontro do Serviço Social com a perspectiva crítico-dialética deu-se por meio do filtro da prática político-partidária, fazendo com que muitas inquietudes da militância fossem transferidas para a prática profissional. (p.210)
 Outro equívoco foi que a aproximação do Serviço Social com a tradição marxista, não se deu através da consulta aos clássicos. Foi uma aproximação a um marxismo sem Marx, resultando numa invasão às ocultas, do positivismo no discurso marxista do Serviço Social. (p.211)
 O resultado é o dilema até hoje presente na profissão: o fatalismo e o messianismo. O primeiro naturaliza a vida social e compreende a profissão como totalmente atrelada às malhas do poder, entendido como monolítico, o que resulta numa prática de subjugação do profissional ao instituído; o segundo, privilegia os propósitos do profissional individual, resultando num voluntarismo. (p.213)
 O enfrentamento com a herança da reconceituação vai dar-se tardiamente no Brasil, no bojo da crise da ditadura, quando o próprio revigoramento da sociedade civil faz com que se rompam as amarras do silêncio e do alheamento político forçado.

O debate brasileiro contemporâneo e a tradição marxista

 Se a reconceituação viabilizou a primeira aproximação do Serviço Social com o marxismo por rotas tortuosas, o primeiro encontro do Serviço Social com a obra marxiana, dela decorrendo explícitas derivações para a análise do Serviço Social, deu-se no Brasil, apenas na década de 80. tratou-se de um encontro de nova qualidade com a tradição marxista. (p.234)
 Os eixos do debate do Serviço Social na década de 80 no campo da tradição marxista giravam em torno de dois temas:
1. a crítica teórico-metodológica tanto do conservadorismo como do marxismo vulgar, colocando a polêmica em torno das relações entre teoria, história e método, com claras derivações no âmbito da formação profissional;
2. a construção da análise da trajetória histórica do Serviço Social no Brasil. (p.236)

 Avanços do debate brasileiro, do ponto de vista teórico-metodológico nos anos 80, em relação ao legado do movimento de reconceituação:
1. avança da negação e denúncia do tradicionalismo ao enfrentamento efetivo de seus dilemas e impasses teórico-práticos;
2. do metodologismo à inserção da polêmica teórico-metodológica no Serviço Social nos principais marcos do pensamento social contemporâneo;
3. da apologética no trato do marxismo no Serviço Social ao debate clássico contemporâneo dessa tradição intelectual;
4. do ativismo político-profissional à criação de condições acadêmicas e socioprofissionais que propiciaram maior solidez a práticas renovadoras inscritas no mercado de trabalho dos assistentes sociais;
5. do ecletismo ao pluralismo;
6. de uma abordagem generalista sobre a América Latina a ensaios históricos sobre o Serviço Social em diferentes momentos conjunturais da formação social no país, ampliando as possibilidades de análise da profissão na história brasileira; (p.(236-7)
 Ressalta-se o avanço que o debate contemporâneo vem apresentando ante o tradicionalismo profissional – presidido pela ideologia do mando e do favor no trato da coisa pública, metamorfoseando o cidadão em súdito do Estado; avanço também em relação ao legado da reconceituação. Esta, retraduzindo os objetivos profissionais em organização, capacitação e conscientização dos oprimidos tendo como alvo a transformação social, não considerou, em suas análises, as mediações históricas e teóricas que possibilitassem articular os propósitos profissionais às conjunturas nacionais particulares e, em especial, ao mercado de trabalho. (p.240-1)

O debate do debate

 O que este ângulo de análise, no entanto, tem ocultado. A ênfase nas relações do Serviço Social com as políticas sociais do Estado e os aparatos institucionais que a implementam vem apresentando, como contrapartida, o relativo obscurecimento da sociedade civil, o verdadeiro cenário de toda a história, secundarizada na produção acadêmica no Serviço Social. (p.241)
 O enfrentamento da pauperização torna-se necessário como meio para a compreensão das políticas sociais e não o contrário: o estudo da gênese e as formas particulares de desenvolvimento e vivência da pauperização, o outro lado da maturação capitalista, como condição para a explicação e avaliação das respostas governamentais diante desse fenômeno.
 O relativo ocultamento das mudanças históricas recentes produzidas na sociedade civil, em decorrência mesmo da intervenção do Estado, pode levar à perda do chão daquelas análises que ora polarizam o debate do Serviço Social. É a sociedade civil que explica o Estado. (p.242)
 A contrapartida do ocultamento da sociedade civil na análise é a negação, na prática, do caráter revolucionário que distingue a teoria marxiana, dela destituindo a história. (p.245)
 Ao colocar-se como objeto de sua própria pesquisa, o Serviço Social voltou-se sobre si mesmo e descortinou ângulos inusitados para o desdobramento dos estudos. Urge agora que o Serviço Social se alimente d história da sociedade brasileira presente, como condição de renovar e continuar assegurando a sua conciliação com a realidade social, condição para decifrar e recriar sua prática profissional, dando transparência aos elos que as articulam. (p.248)

PROGRAMA FUNDAMENTOS POLÍTICA SOCIAL

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PROGRAMA

I - EMENTA:


a) Objetivos: Compreender a relação entre política e economia, as relações Estado/Sociedade e os agentes sociais envolvidos na trajetória de emergência e crise do Estado de Bem-Estar.

b) Conteúdo: As principais categorias da economia política nas grandes vertentes do pensamento moderno. O liberalismo e o neoliberalismo (Adam Smith, Locke, Milton Friedman). O intervencionismo e a social-democracia (Keynes, Marshall, Offe). A tradição marxista (Gramsci, Poulantzas, Baran, Sweezy e Mandel).

II- CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:

a) Objetivos: O aluno deverá, ao final do curso, estar apto para:

- Diferenciar as três grandes vertentes do pensamento econômico - político moderno e suas proposições para as relações Estado/mercado e Estado/sociedade civil. Propiciar uma apropriação das principais categorias teóricas para se pensar a política social como uma mediação destas relações;

- Situar historicamente o surgimento das políticas sociais, sua trajetória e dilemas atuais;

- Discutir criticamente o significado das políticas sociais a partir das categorias teóricas das três grandes vertentes do pensamento econômico - político moderno.

b) Conteúdo:

A - Unidade I: Introdução aos Fundamentos da Política Social

Texto base:

BEHRING, E. “Fundamentos de Política Social”. In Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez/OMS, 2006.


B - Unidade II: Economia, Política e Sociedade

Textos base:

NETTO, J. P. e BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. 2a ed. São Paulo: Cortez, 2007.

HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.


C - Unidade III: Fundamentos e história da Política Social

Textos base:

MONTANO, C. DURIGUETTO, M. L. Estado, Classe e Movimento Social, - 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011. (capítulo 1)

BEHRING, E. e BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2007.

CHATÊLET, F., DUHAMEL, O e KOUCHNER, E. P., História das idéias políticas, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985.

COUTINHO, Carlos Nelson, Marxismo e política. A dualidade de poderes e outros ensaios. São Paulo, Cortez, 3ª ed., 2008.


Bibliografia Complementar:

POLANYI, K. A Grande Transformação - as origens de nossa época. RJ: Campus, 1980. (Caps. 11-14)

CARNOY, M. Estado e Teoria Política. São Paulo: Papirus, 1994. (Cap. 1-3)

SILVA, A. M. Keynes e a teoria geral. In: Keynes. Coleção Os Economistas, Abril Cultural, SP, 1983.

MARSHAL, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.


III - Procedimentos didáticos:

A disciplina será ministrada por meio de aulas expositivas, permeadas pela reflexão, problematização e discussão dos textos indicados nas referências bibliográficas, sendo, portanto, fundamental a sua leitura prévia. Em caráter complementar, serão produzidas, apresentadas e disponibilizadas ao aluno sínteses de cada texto trabalhado, visando aprofundar e potencializar a apreensão dos principais pontos de cada conteúdo. Embora se trate de uma disciplina substancialmente teórica, será realizado um esforço no sentido de articular seus conteúdos com o debate profissional do Serviço Social, especialmente nos seus aspectos éticos, técnicos e instrumentais. As aulas contarão, sempre que possível, com exemplos derivados de situações práticas, que ilustrem os dilemas, polêmicas e desafios comuns ao cotidiano profissional do assistente social. Será utilizada uma metodologia participativa em que os alunos poderão contribuir ativamente para as discussões, estimulando uma abordagem crítica dos textos e conteúdos trabalhados. A metodologia adotada enfatiza o conhecimento como um processo coletivo, do qual participam, em níveis e graus diferenciados, os diversos atores envolvidos. Pretende-se, também, estimular a participação dos alunos em atividades científicas e culturais ocorridas na Universidade, visando, desta forma, contribuir para o enriquecimento cada vez maior do seu processo de formação profissional.


IV - Avaliação:

A avaliação da disciplina consiste em duas provas escritas, individuais e sem consulta, em datas a serem agendadas.

A nota do aluno consistirá na média aritmética das notas das duas provas, estando automaticamente aprovado quem obtiver média igual ou superior a 7,0 (sete), e automaticamente reprovado quem obtiver média inferior a 3,0 (três). O aluno que obtiver média entre 3,0 e 6,9 fará a prova final, que será realizada em data estabelecida de acordo com o calendário acadêmico do semestre em vigor.

Para ser aprovado o aluno deve ter média final igual ou superior a 5,0 (cinco). O aluno tem o direito de ter até 25% de faltas às aulas dadas no semestre, e pode fazer segunda chamada de apenas uma das provas. A matéria de todas as provas é cumulativa.